A avaliação da incapacidade laboral em casos de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais é um tema complexo e de suma importância no Direito do Trabalho. Para determinar a extensão dos danos e o percentual de indenização devido ao trabalhador, a Justiça recorre a diferentes parâmetros. Dois deles se destacam no debate jurídico atual: a Tabela SUSEP e a Tabela CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). Compreender suas diferenças e o peso que cada uma exerce é fundamental para advogados e trabalhadores.

O Papel da Tabela SUSEP: Percentuais Pré-Fixados E As Limitações Em Sua Aplicação

Tradicionalmente, a Tabela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) tem sido a referência mais utilizada para o cálculo de indenizações por acidentes pessoais no Brasil. Criada para o mercado securitário, ela estabelece percentuais de redução da capacidade funcional em relação a diversas lesões, de forma pré-fixada e objetiva. Por exemplo, a perda total de um dedo pode corresponder a um percentual específico, independentemente da profissão do indivíduo.

Por que a Tabela SUSEP ainda tem grande peso?

Objetividade: Seus percentuais são claros e de fácil aplicação, o que confere uma previsibilidade aos cálculos.

Historicamente Consolidada: É uma ferramenta antiga e amplamente conhecida, utilizada por seguradoras e peritos por muitos anos, o que gera uma certa inércia na sua aplicação.

Segurança Jurídica (aparente): Por ser padronizada, muitos a veem como um caminho para evitar subjetividades excessivas na valoração do dano.

No entanto, essa mesma objetividade pode ser sua maior limitação, levantando sérias questões sobre sua adequação no âmbito do Direito do Trabalho. A Tabela SUSEP não considera as particularidades da função exercida pelo trabalhador acidentado ou a complexidade do impacto da lesão em sua vida pessoal e profissional. Um marceneiro que perde um dedo, por exemplo, terá sua capacidade de trabalho muito mais comprometida do que um profissional de escritório com a mesma lesão, mas a tabela pode atribuir o mesmo percentual de incapacidade a ambos.

É justamente nesse ponto que o uso da Tabela SUSEP, nos termos em que é aplicada de forma rígida, viola o Artigo 950 do Código Civil, bem como as metanormas da proporcionalidade e razoabilidade:

Art. 950 do Código Civil: Este artigo preconiza que, se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização deverá incluir, além das despesas de tratamento e lucros cessantes, uma pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

A Tabela SUSEP, ao oferecer um percentual genérico para a lesão sem considerar a específica profissão e o real impacto na capacidade laborativa do indivíduo, falha em atender ao mandamento legal de individualizar a reparação, desconsiderando a "importância do trabalho" para o qual o trabalhador se inabilitou.

Metanormas da Proporcionalidade e Razoabilidade:

A proporcionalidade exige que qualquer medida (neste caso, a indenização) seja adequada aos fins a que se destina, necessária e proporcional em sentido estrito. A aplicação inflexível da Tabela SUSEP muitas vezes não é proporcional ao dano real, pois a mesma lesão afeta de maneiras dramaticamente diferentes a capacidade laborativa e a vida de indivíduos em distintas profissões.

A razoabilidade impõe que as decisões e critérios adotados sejam sensatos, lógicos e justos, em conformidade com o senso comum e os valores do ordenamento jurídico. O uso da SUSEP, ao desconsiderar as especificidades do caso concreto e a dimensão individual do dano, pode levar a indenizações desarrazoadas e, consequentemente, injustas, ferindo a própria essência da reparação integral.

A Ascensão da Tabela CIF: Uma Abordagem Holística, Funcional e Juridicamente Adequada

Em contrapartida, a Tabela CIF, desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), propõe uma avaliação mais abrangente e contextualizada da funcionalidade e da incapacidade. Diferente da SUSEP, a CIF não foca apenas na lesão em si, mas sim nas limitações de atividade e restrições de participação que a condição de saúde impõe ao indivíduo, considerando também fatores ambientais e pessoais.

Por que a Tabela CIF vem ocupando maior espaço na Justiça do Trabalho?

A evolução da jurisprudência trabalhista demonstra uma crescente preferência pela aplicação da Tabela CIF, especialmente quando se trata de avaliar a real repercussão da incapacidade na vida do trabalhador. Os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e, notadamente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já vêm aplicando e preferindo o uso da Tabela CIF, reconhecendo que:

Individualização do Dano: A CIF permite uma análise mais aprofundada e personalizada, adaptando a avaliação da incapacidade à realidade de cada trabalhador e à sua específica atividade profissional, em consonância com o Artigo 950 do Código Civil.

Foco na Funcionalidade: Em vez de apenas categorizar a lesão, a CIF busca entender o quanto a lesão afeta a capacidade do indivíduo de realizar tarefas e participar de seu ambiente social e profissional.

Dignidade da Pessoa Humana: Essa abordagem mais humanizada e integral está mais alinhada aos princípios do Direito do Trabalho e à proteção da dignidade do trabalhador.

Atualização Científica: A CIF é uma ferramenta mais moderna e alinhada com os conceitos de saúde e funcionalidade atuais, fornecendo uma base pericial mais robusta.

Distinção Fundamental e Por Que a CIF é Mais Adequada

A principal distinção entre a Tabela SUSEP e a Tabela CIF reside em seus focos e metodologias:

  • A Tabela SUSEP é uma ferramenta quantitativa e objetiva, focada na lesão anatômica ou fisiológica e na perda percentual da função de um membro ou órgão, de forma genérica. Ela oferece um "catálogo" de percentuais fixos para danos corporais.
  • A Tabela CIF é uma abordagem qualitativa e funcional, que avalia o impacto da condição de saúde (lesão ou doença) na capacidade do indivíduo de realizar atividades e participar da vida social e profissional, considerando o contexto pessoal e ambiental.

A adequação da Tabela CIF para a Justiça do Trabalho é evidente porque ela:

Reflete a Realidade do Trabalhador: Ao considerar o contexto da atividade laboral e a vida pessoal, a CIF oferece uma visão mais fiel do que a incapacidade representa para aquele indivíduo, fugindo da generalização da SUSEP e respeitando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Harmonia com o Direito do Trabalho: Seus princípios de individualização, proteção da dignidade humana e busca pela reinserção social estão em consonância com a teleologia do Direito Laboral, que visa a proteção do hipossuficiente e a reparação justa, conforme Art. 950 CC.

Maior Justiça na Indenização: Permite que a indenização seja calculada com base na real perda funcional e de ganho do trabalhador, e não apenas em um percentual fixo que pode subestimar ou superestimar o dano, garantindo uma reparação mais equitativa e jurídica.

A Tabela CIF e a Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal do Brasil, é o fundamento da República e um dos pilares de todo o ordenamento jurídico. Ele assegura que o ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um meio ou objeto, garantindo seu valor intrínseco, autonomia e desenvolvimento pleno.

A Tabela CIF atende a este princípio de forma superior à Tabela SUSEP, principalmente por três razões:

Individualização e Subjetividade: Diferentemente da Tabela SUSEP, que impõe um percentual fixo e genérico para uma lesão, a CIF reconhece a singularidade de cada indivíduo. Ela não avalia apenas a lesão (o dano físico), mas sim o impacto que essa lesão tem na vida particular daquela pessoa, considerando sua profissão, seu ambiente, suas relações sociais e suas aspirações. Ao fazer isso, a CIF trata o trabalhador como um sujeito único, com uma história e um contexto próprios, e não como um mero "corpo danificado" a ser precificado por uma tabela padrão, o que é crucial para uma reparação justa e conforme o Art. 950 do CC.

Visão Holística e Integral: A dignidade humana exige uma visão integral do ser, considerando seus aspectos físicos, mentais, sociais e psicológicos. A CIF adota essa perspectiva holística ao avaliar não apenas a estrutura ou função corporal comprometida, mas também as limitações de atividade e as restrições de participação. Ela se preocupa com a capacidade do indivíduo de realizar suas tarefas diárias, de interagir socialmente e de se reintegrar ao mercado de trabalho. Essa abordagem complexa e multifacetada respeita a pessoa em sua totalidade, buscando uma reparação que de fato compense a perda funcional e social sofrida, pautada pela razoabilidade e proporcionalidade.

Foco na Reabilitação e Inclusão: Ao identificar as limitações e os fatores ambientais, a CIF não se limita a quantificar o dano, mas também serve como base para estratégias de reabilitação, readaptação profissional e inclusão. Isso alinha-se diretamente com o princípio da dignidade, que preza pela possibilidade de o indivíduo continuar a participar ativamente da sociedade e a ter uma vida digna, mesmo diante de uma incapacidade. O objetivo não é apenas indenizar, mas também promover a máxima funcionalidade possível e a reintegração social.

Em síntese, enquanto a Tabela SUSEP cumpre sua função para o mercado securitário ao padronizar indenizações por danos pessoais e reduz o dano humano a um número fixo, a Tabela CIF humaniza o processo de avaliação, tratando o trabalhador como um ser complexo e digno, cujas perdas devem ser avaliadas em seu contexto único, para garantir uma reparação justa e equitativa, nos termos exigidos em nossa legislação.

Fale com um especialista agora mesmo!

Por e-mail!

Uma central de atendimento com total controle para melhor atende-los

Redes Sociais

Utilize nossas redes para entrar em contato conosco!

Instagram da Machado de Sá Facebook da Machado de Sá videos da Machado de Sá

Este site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você declara estar ciente dessas condições.